domingo, 8 de setembro de 2013

Crítica: Como Nasce um Cabra da Peste

Fotos: SECOM / Itajaí
Um espetáculo carregado de cores locais e de comicidade
Crítica da peça Como nasce um cabra da peste, da Agitada Gang
por Humberto Giancristofaro, Mariana Barcelos e Dâmaris Grün

Como nasce um cabra da peste é uma peça que lança mão do imaginário do retirante para transmitir as forças que perpassam suas vidas secas. Seguindo de forma muito bem humorada o lema de que o sertanejo é antes de tudo um forte, a peça trata da cultura ao redor do fenômeno do parto numa família do interior da Paraíba. Numa curva dramática que começa com indicadores mais comuns à todos, como uma conversa sobre o formato da barriga como diagnóstico do gênero do bebe, a peça entra em características cada vez mais particulares da crença e que aos olhos do distanciamento beiram ao absurdo. Mas todas as crendices, simpatias, patuás e macumbas que formam a riqueza cultural com a qual a peça brinca são de fato um pout-pourri da cultura popular nordestina. Para compor esse texto os integrantes da companhia teatral Agitada Gang de João Pessoa, muitas vezes lançaram mão de experiências pessoais como a do jovem que guarda o sorvete na mala para apreciá-lo mais tarde. Essa abordagem regional montada pelo grupo há uma década preserva um olhar naife da sua própria região que hoje enfrenta a aculturação da globalização.

A comicidade, entretanto, não encobre a precariedade das condições de vida desses personagens. Para que o segundo filho nasça o primeiro precisa ir embora de casa, com uma trouxinha de roupa, ainda criança. A cena é a mais direta acerca do movimento cíclico da dramaturgia, que antes da chegada do bebê, já se anuncia seu futuro. O filho continua a trajetória dos pais, de andarilhos do sertão, vagando de cidade em cidade, tentado sobreviver. O cenário, composto de amontoados de gravetos, espelham as margens das estradas com árvores secas do interior nordestino. É tudo precário, escasso, sofrido, então há humor, porque este parece ser o remédio. Mas por detrás da linha cômica que mantém a encenação distante da dor dos personagens, existe um sertão real, não romantizado, nem fixado na miséria, nem na cultura local. Um olhar nada carregado de estigmas que o posicionamento crítico de quem não viveu no sertão produz. A Agitada Gang nos traz a imagem do sertão vista de dentro, o que proporciona um excelente exercício comparativo entre o que eles vêem e o que nos contam. Entre o que é e o que imaginamos ser.

É importante destacar que a companhia paraibana trabalha basicamente com teatro infantil e desenvolve como base de seu trabalho a linguagem clownesca. Mesmo que o espetáculo em questão não materialize essa linguagem de forma concreta e evidente, é possível verificarmos influências dos palhaços de cada ator ali do grupo na medida em que trazem uma representação dos tipos do sertão. O menino matuto, a mãe e o pai retirantes e caminhantes, a parteira com suas crendices estão presentes no espetáculo de forma concreta e com muita propriedade. Os atores conferem trejeitos a seus personagens que aludem ao riso constante do púbico. Eles criam tipos típicos do imaginário nordestino que não caem no rasteiro estereótipo, mas aparecem com propriedade através de trejeitos, movimentos e falas que se dão de forma orgânica na composição atorial. E fica evidente a natureza clownesca nas composições e na direção do espetáculo. A cenografia, o figurino e a trilha sonora contribuem para que o universo sertanejo e retirante se concretizem de maneira funcional, já que a simplicidade na dramaturgia quer antes apresentar a situação jocosa e quase estapafúrdia do casal retirante. Os elementos constitutivos da cena favorecem e reforçam a comicidade que a companhia encontra sobre tal assunto. Os tipos nordestinos retratados em cena e a sua lida com a realidade a eles imposta faz emergir uma comicidade crítica sim, mas nada dura.

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