domingo, 8 de setembro de 2013

Crítica: Luisa

Fotos: SECOM / Itajaí
Um solo acompanhado
Crítica da peça Luisa, da Cia. Experimentus Teatrais
por Dâmaris Grün

A atriz Sandra Knoll recebe os espectadores no palco do teatro da Casa de Cultura Dide Brandão como a sala de casa. O que se avista ao adentrar o palco é uma mulher de expressão triste, mas que sorri intensamente para cada espectador que ali se acolhe. Lembrança e dor serão ali expostas e partilhadas. A mulher se chama Luisa e dá nome ao espetáculo. Ela está esperando o homem amado por mais de dez anos e finalmente chega ao dia de reencontrá-lo. É a partir desse reencontro que a personagem rememora sua vida afetiva, atravessada pela lembrança forte de seu pai em contraponto ao "acerto de contas" com Augustin. O exercício da lembrança é o cerne desse trabalho e opera uma presentificação das memórias e imagens desses dois homens na vida da personagem de Daniel Veronese, autor do texto e importante dramaturgo e diretor argentino. A dramaturgia tece um emaranhado monológico cambiante entre o real encontro de Luisa com Augustin e (a partir dessa espera e reencontro) as memórias de seu pai desencadeadas nesse fluxo delirante da personagem. Essa dramaturgia faz ver em Luisa estratos de humanidade que capturam o espectador para junto da personagem numa relação cúmplice e afetiva, já que um sentimento de compaixão pela situação daquela mulher tão doída em seus afetos brota na relação entre cena e plateia.

Do solo emerge uma mulher que se encontra sozinha na vida de suas rememorações e anseios. As memórias do pai como a carteirinha e a flâmula do time de coração dele, o hino entoado em cena, a pasta de trabalho, o relógio antigo, materializam sua forte presença. Ao trazer essas relíquias afetivas e familiares ela materializa o homem ao seu lado, o pai e seu duplo, Augustin. As lembranças na cena que se referem a Augustin - na espera ou o reencontro, e isso não fica tão evidente, há uma sugestão maior do que o fato - são partilhadas com o espectador que está muito próximo da cena, próximo de Luisa, próximo da atriz. Ele, o espectador, acompanha o solo emocionado e carregado de angústias de uma mulher que antes de tudo, encontra-se só. Nem Augustin, nem o pai: sua companhia são as memórias e o espectador a sua frente.

O espaço da cena se reduz a um caixote que remete a uma caixa de luz. Esse caixote vira baú de onde a atriz retira objetos que partilha com a expectação. Há uma parede de treliça, muito pequena, que serve para apoio de longos fios elétricos que são luminárias moventes e manipuladas pela atriz. Esse espaço é completado pelas cadeiras ocupadas pelo espectador de forma próxima a ponto dele sentir-se cúmplice da ação. Essa aproximação possibilita que o sentimento de compaixão da recepção se dê no presente da ação e faça com que Luisa não esteja tão só, como suas palavras e memórias reiteram, pois a presença do aqui e agora do espectador se dá de forma viva e contundente.

Sandra Knoll representa uma Luisa entorpecida pelas lembranças e remoída pela ausência de Augustin. A atriz constrói um corpo delicado para a personagem, com gestos leves e miúdos que retificam a fragilidade da situação. O estatuto de representação nesse solo cria um distanciamento entre a atriz e a personagem de Veronese. Mas ao trazer as lembranças materiais do time de futebol do pai é evidente que se concretiza um laço afetivo em que a matéria documental, a memória pessoal da artista está ali em jogo. É ao compartilhar esse mundo pessoal - afetivo com o espectador que se cria no trabalho uma interação entre cena e expectação cúmplice e participativa, mas sem alardes. Olhar de perto documentos, fotos, livros e etc. do mundo da personagem é que possibilita ao espetáculo um caráter de solo acompanhado, pois à expectação é dado um lugar precioso no trabalho de partilha de memórias. A atuação com um registro interpretativo de representação dá a ver uma composição do personagem detalhadamente desenhado em cada traço psíquico e físico. A sutileza dessa composição faz com que se evidencie a carga pessoal da atriz no trabalho de adaptação da dramaturgia. É visível que a apropriação do mundo criado por Veronese desaguou na condição afetiva dessa atuação em cima do texto. Sem as memórias da atriz a força emotiva de Luisa não teria tanta concretude e apelo à expectação. Isso se dá de forma contundente nesse trabalho, pois na medida em que o personagem é representado pela atriz é possível verificar a carga biográfica do trabalho de atuação, principalmente ao colocar os objetos pessoais em cena, dialogar diretamente com o espectador e fazer dele seu companheiro de solo.

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