sexta-feira, 6 de setembro de 2013

Crítica: Um Príncipe chamado Exupéry

Fotos: SECOM/Itajai - Victor Schneider
A camada humana do boneco
por Dâmaris Grün

Um príncipe chamado Exupéry da Cia Mútua de Teatro, alicerçada companhia itajaiense conhecida pelo público local por seu trabalho com as formas animadas do teatro como a manipulação de bonecos, o teatro lambe-lambe o show de mágica, e etc., caracteriza-se por certo hibridismo bastante interessante: a interação do humano com a matéria amorfa do boneco a partir de uma manipulação que atua não somente no objeto manipulado, mas também atua no todo do espaço cênico que divide com o espectador.

O espetáculo narra a história de Antoine de Saint- Exupéry, na fase anterior ao trabalho como escritor de O pequeno príncipe, quando esse foi carteiro aéreo entre os anos de 1926 e 1944, voando desbravadamente em escalas pela Europa, África e América do Sul. Suas aventuras como “entregador” de encomendas, cartas, mensagens entre continentes é contada numa ótica extremamente afetiva.

Para ambientar essa história da forma mais lúdica e afetiva possível, a direção, acredito, optou por uma ambientação para além do espaço convencional da manipulação dos bonecos, uma vez que a plateia está dentro do espaço da cena por assim dizer. A relação é frontal, mas a área toda cenografada, que reproduz um hangar, possibilita que o espectador seja abraçado por aquele universo e se confronte com a história ali contada de forma mais cúmplice, com uma maior proximidade. Um vínculo afetivo entre cena e expectação é suscitado pelo espetáculo na medida em que ele permite que o espectador acompanhe a narrativa não somente contemplando a animação dos bonecos manipulados em cena, mas criando laços ao dividir o mesmo espaço que bonecos e manipuladores.

Assim que se chega ao espaço da cena o fictício correio postal dentro do hangar coloca o espectador imediatamente nas páginas de um livro de histórias infantis, de aventuras. Uma atmosfera lúdica e nostálgica inebria o sujeito e estabelece uma cumplicidade verificada em seguida com os manipuladores, com os bonecos e com o que é contada ali, uma narrativa visual destituída da palavra. Essa cumplicidade é muito marcada no tipo de relação que os manipuladores, Monica Longo e Guilherme Peixoto, imprimem ao trabalho ao se dirigem diretamente à plateia, ao não se ocultarem no boneco, mas evidenciar sua presença e o caráter de representação na atuação, ao evidenciar os movimentos artificiais manipulados por uma mão humana que confere certa organicidade aos bonecos. Os dois não usam as tradicionais vestimentas pretas que ocultam o trabalho de manipulação para que se destaque somente o boneco, mas sim um figurino realista, de um aviador da primeira metade do século XX.

Os fios de humanidade que contém cada andar hesitante desses personagens marionetes das mãos dos atores/manipuladores são a grande chave do presente espetáculo. A brincadeira jocosa que eles estabelecem diante da (e com a) plateia é sempre viva e dá um sentido que muitas vezes não se vê nesse tipo de trabalho, que é uma aproximação com a recepção, um olhar menos distanciado diante do objeto. Ao espectador é feito um apelo para que mergulhe na história e se familiarize com aquele mundo mágico da animação que presta uma homenagem ao criador de um dos personagens mais conhecidos da literatura mundial.

Acredito que a direção do espetáculo, de Willian Sieverdt, não procure no trabalho a perspectiva da demonstração de um teatro de animação de excelência na manipulação técnica ou para o preciosismo de bonecos e adereços da cena. Nem deseja somente contar aquela história por essa linguagem. Há no trabalho a natureza do encontro presencial que sela uma aliança entre cena e expectação. O hangar cenográfico, de Jaime Pinheiro, não só oferece aconchego aos espectadores como dinamiza a carga humana dos bonecos e principalmente, cria uma importante proximidade com a narrativa linear que tem um começo, meio e fim. Os olhares cúmplices entre bonecos e atores reverberam na expectação que assim se deixar livremente voar através dessa viagem teatral animada pela figura cativante do aviador Exupéry.

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