sábado, 7 de setembro de 2013

Crítica: A Cortina da Babá

Fotos: SECOM/Itajaí - Victor Schneider
Uma dramaturgia atrás do efeito lúdico
Por Mariana Barcelos
Crítica de A Cortina da Babá, do Grupo Sobrevento

A curadoria do III Festival Brasileiro de Teatro Toni Cunha teve um olhar generoso para o Teatro de Bonecos. Boa parte da programação é dedicada ao gênero, que se divide em diversas linguagens, no Festival, por exemplo, pode ser visto desde os bonequinhos dos Lambe-Lambes, passando pelos bonecos com influência folclórica, que narraram a história do Boi-Bumbá, até a forma de manipulação Tangshan, tradicional no teatro de sombras chinês. Esta última foi apresentada no espetáculo A Cortina da Babá, objeto desta crítica.

O espetáculo tem sua encenação baseada no texto Nurse Lugton’s Curtain, de Virginia Woolf, no qual um babá dorme enquanto está costurando uma cortina bordada com animais e alguns elementos de uma aldeia, como uma ponte, e algumas árvores. O cenário de André Cortez é divido em duas estruturas de um mesmo quarto de criança, no lado maior está o menino, dono do quarto, na outra parte do tablado construído e colocado em cima do palco está a babá numa cadeira, segurando uma enorme cortina, embaixo de uma luminária. A divisão do quarto define o antagonismo dos personagens, que durante a primeira e última parte da peça se relacionam mais diretamente. O menino tem medo da babá, e a mesma se expõe de maneira rígida e controladora. Na primeira cena, um diálogo com sombras é proposto, com um brinquedo em forma de cabeça de dinossauro o menino simula morder a babá, logo depois, como resposta, usando a luz a luminária, a babá que parece engolir o menino. Cria-se assim os signos que definem esta relação, e anuncia-se o princípio de dramaturgia.

Contudo, após a cochilada da babá aparentemente a história é interrompida. O menino então passa a se divertir com sombras na parede, e mais adiante, numa espécie de delírio, vê os animais e figuras bordadas na cortina, contando pequenas narrativas na parede do seu quarto. Narrativas simples, um avestruz que põe um ovo vazio, uma árvore que perde as folhas, um balão amarrado na ponte que a leva para o céu. A manipulação dos bonecos ganha vida por detrás da parede iluminada por Renato Machado. A iluminação é indispensável no espetáculo por motivos óbvios, mas aqui ela vai além, quando nas cenas entre o menino e a babá é a luz que funciona como fala, já que estas não existem. É a luz que dá a densidade da relação entre as personagens e pontua as transições de ânimo tanto nos bonecos, quando nos atores. A iluminação é o elemento técnico que continua a propor uma dramaturgia mesmo quando a linha da continuidade narrativa é interrompida a favor da exibição da técnica.

O Grupo Sobrevento foi fundado em 1986, no Rio de Janeiro, por Luiz André Cherubini, Sandra Vargas e Miguel Vellinho. Em seu repertório figuram dramaturgos importantes como Beckett e Alfred Jarry, e, criações como em Mozart Moments, composta por alguns recortes da biografia de Mozart e ainda O Copo de Leite, destinado ao público jovem e que trata da transição da infância para a adolescência com todas as subjetividades e dificuldade presentes neste momento. São apenas alguns exemplos da complexidade dramatúrgica que o Teatro de Bonecos detém, porque, afinal de contas, é de Boneco, mas é Teatro. Não é hierarquicamente inferior a nenhuma outra forma de criação teatral.

Por escolha, ou não, já que não posso afirmar isto, A cortina da babá não apresenta na dramaturgia um desdobramento sobre a ação. Apesar da inspiração no texto de Virgina Woolf, a história que se exibe parece existir mais como pretexto para o teatro de sombras do que como componente mesmo da obra. Os momentos são independentes, a relação do menino e da babá é uma passagem, que somada dura pouco, e a maior parte da encenação é a exibição da técnica na parede do quarto. O que amarra uma parte a outra é uma linha de costura muito tênue e sutil, que se utiliza da repetição das figuras da cortina. Por isso, os momentos que os dois atores estão em cena têm mais profundidade cênica, mais tensão, mais força, e geram um interesse pelo o que pode se desdobrar dali em diante, ao contrário das sombras, que tem sua graça reduzida a forma em si, a girafa controla o pescoço e é isto. O tempo para o desenvolvimento da relação babá-criança fica encolhido.

O espetáculo, entretanto, tem um foco claro no público infantil. E não há questões quanto à importância de possibilitar este encontro com o teatro de animação, técnicas chinesas, bonecos, com a própria Virgínia Woolf e com o Sobrevento, um Grupo com reconhecimento consolidado dentro e fora do país e que tem um trabalho dedicado às crianças. Um privilégio.

Um comentário:

  1. Obrigado pela crítica e pelas palavras gentis, Mariana. A proposta do espetáculo é mesmo a de ser uma experiência de um Teatro que proponha a contemplação a crianças em uma época em que a tendência é a de oferecer interação. Virginia Woolf é mesmo uma autora muito sutil e em seus textos muitas coisas acontecem onde nada parece realmente acontecer e coisas se sucedem mais do que acarretam outras: no conto que serve de base à encenação, publicado no Brasil sob o nome A Cortina da Tia Bá, acontece este quase nada que vc descreve perfeitamente em sua crítica - na qual vc desvenda todo o nosso espetáculo e que só difere de nossa intenção, quando vc troca a palavra fantasia ou imaginação por delírio. Abraços do Luiz André e do Sobrevento, Mariana.

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